Artigo: Vôos cada vez mais altos

Em mais uma cerimônia para comemorar acordos fechados com um novo cliente, a sede da Embraer em São José dos Campos estava festiva no dia 27 de julho. Executivos, imprensa e convidados celebraram a entrega do Embraer-175 à Air Canada, aeronave que compõe um pedido de 15 aviões do mesmo modelo, além dos 45 jatos Embraer-190 solicitados pela companhia canadense. A celebração carrega um gostinho de vitória, especialmente para os brasileiros que acompanharam os contenciosos na Organização Mundial do Comércio (OMC) que levaram a Air Canada a rever seus contratos com a fabricante regional canadense Bombardier.

Mas não foi apenas o marketing agressivo que garantiu os recentes pedidos feitos pela Jet Blue, US Aiways, SaudiArabian, Flybe, EasyJet, Paramount Airways e tantas outras. “O fato de a Air Canada estar voando com nosso avião mostra que nosso produto foi melhor que o da competição”, disse à imprensa o presidente da Embraer, Maurício Botelho.

A Embraer certamente é o exemplo mais famoso de sucesso da indústria aeronáutica brasileira. Mas dezenas de outras empresas nacionais e estrangeiras menos conhecidas já compartilham os dividendos do crescimento do setor. Para James Rojas Waterhouse, professor de Manutenção e Homologação Aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, todas as condições favoráveis já estão criadas para que esse mercado deslanche no exterior. Mas ainda precisa de políticas de incentivo para pesquisa e desenvolvimento, além da formação de um maior número de profissionais capacitados. “Esse ramo, no Brasil, é empregador.
Mas ainda não encontra mão-de-obra suficiente para a demanda. O segmento deverá crescer cada vez mais. Porém, será fundamental o apoio do governo federal no desenvolvimento de novos produtos e serviços”, diz Waterhouse.

Capacitação será justamente o assunto debatido no dia 12 de agosto por Waterhouse e outros especialistas, como Fúlvio Delicato Filho, da Embraer, Daniel Gonçalves, da TAM, e Eduardo Américo, do Departamento de Aviação Civil (DAC), durante a 2a Semana de Engenharia Aeronáutica, que ocorre de segunda a sexta-feira, dias 8 a 12, na EESC. O encontro discutirá temas como “A importância do engenheiro aeronáutico nas empresas”, “Os outros rumos do engenheiro aeronáutico” e “Panorama da aviação geral no Brasil”, além de oferecer minicursos e mesas-redondas (leia ao lado a programação completa do evento).
Turbinado
“Este é um mercado amplo, em franco crescimento e que beneficia muitos setores da economia. O Brasil tem as chances e as condições de aumentar sua participação e vem chamando a atenção do mundo. Precisamos agora desenvolver uma maior massa crítica de especialistas”, diz o professor Waterhouse. Enquanto a estimativa de crescimento do PIB mundial está em torno de 3,3% em 2005, a expectativa para as demandas globais por vôos em aviões de 30 até 120 assentos deverá crescer 5,4%, segundo dados do Embraer outlook 2005-2004, um estudo para os próximos 20 anos do mercado comercial de aviões.

De acordo com esse documento, a frota mundial de jatos de 30 até 120 assentos deverá aumentar de 3.861 aeronaves, em 2004, para 9.099, em 2024. Durante os próximos 20 anos, 67% das projeções de entrega de aviões em todo o mundo será para prover o aumento do atual sistema, sem contar as reposições de aeronaves que atingirão seus limites de idade operacional, diz o relatório.

Os requisitos ideais já criados que poderão levar a indústria nacional a conquistar maior participação de mercado são basicamente três, na visão de Waterhouse. “O setor terá cada vez mais gente capacitada, especialmente com o novo curso da USP em São Carlos. Já temos o IFI (Instituto de Fomento e Coordenação Industrial, que certifica produtos e serviços aeronáuticos), um dos melhores órgãos de certificação do mundo. Além disso, a relação custo-benefício dos nossos produtos é das melhores mundialmente”, ressalta. “Esses são os principais aspectos para que recebamos fortes investimentos.”

Mas as demandas para o setor “dependem de todo um cenário de crescimento que começa na Universidade”, acrescenta Waterhouse. A configuração da cidade de São Carlos como um pólo aeronáutico que atrai cada vez mais empresas do ramo é um exemplo vivo de como a Universidade pode se tornar um centro de negócios do setor, afirma.

Mário Antônio Stefani, sócio-diretor da Opto, empresa especializada na fabricação e desenvolvimento de produtos de óptica, laser e aeroespaciais, acredita que o segmento só terá a ganhar com o surgimento de mais cursos de engenharia aeronáutica. “Com poucas escolas especializadas, havia no Brasil o que chamamos de geração consangüínea, ou seja, engenheiros sempre formados pelas mesmas escolas. Não é bom que uma ou outra instituição domine a geração de conhecimento e formação de profissionais, porque nenhuma escola é perfeita e uma complementa a outra. A diversidade é importante”, afirma.

Graduado em Engenharia Mecânica e Eletrônica pela EESC e mestre e doutor em Física pela USP, Stefani também participa da 2a Semana de Engenharia Aeronáutica, com palestra no dia 9 de agosto, às 9 horas, sobre “A espoleta laser do míssil MAA-1 Piranha”. “A área de aplicação aeroespacial e militar no Brasil ainda é muito restrita e normalmente as pesquisas dependem de verbas federais, o que é sempre uma dificuldade no Brasil”, diz o engenheiro que há 15 anos desenvolve projetos para a área militar. “Veja-se, por exemplo, o caso da base de Alcântara. Não que a explosão esteja diretamente ligada a isso. Mas verba federal é sempre um problema. Além disso, não há muitas pessoas com experiência em engenharia aerospacial. Os cursos que surgirem serão muito bem-vindos.”
Fonte: Jornal da USP